domingo, 19 de outubro de 2014

Ética e Direitos Humanos: uma leitura a partir do filme "Os Miseráveis"



 
 



O homem nasce livre e em toda a parte encontra-se a ferros.
Toda a nossa sabedoria consiste em preconceitos servis: todos os nossos usos são apenas sujeição, coação e constrangimento. O homem nasce, vive e morre na escravidão: ao nascer cosem-no numa malha; na sua morte pregam-no num caixão: enquanto tem figura humana é encadeado pelas nossas instituições.
Eu senti antes de pensar.
Observei a natureza e segui o caminho que ela vos traça. Ela exercita continuamente as crianças; endurece o seu temperamento com provas de toda espécie, e ensina-lhes, muito cedo, o que é uma dor e o que é um prazer.


        França,1800. Um homem é preso por roubar um pão. Jean Valjean é seu nome e retrata a figura da injustiça, da humilhação, do mais fraco que é maltratado e vilipendiado em sua dignidade, tentando ser apenas mais um entre os miseráveis que vivem na escuridão. Assim Vitor Hugo nos descreve uma época onde os indivíduos, como diz o autor da obra, não enxergavam a luz, eram famélicos e sedentos de respeito humano. Jean Valjean é preso por roubar um pão para matar a fome, é condenado a 5 anos de prisão que se estende por mais 14 anos por tentar fugir, perfazendo um total de 19 anos preso por um ato que até hoje se repete em outros contextos e objetos diferentes, mas na mesma proporção de injustiça.
        Em 1800 o que era moral em uma França devastada pelos horrores da pobreza, pela injustiça, pela fome?  A moral certamente era a moral que fortalecesse a lógica dos burgueses que se ascendiam ao governo, com certeza era uma moral relativa, dependendo de quem a transgredia. Roubar um pão seria contra a moral instituída pelo estado, ainda mais que o transgressor era um pobre sem poder algum. Quando dissemos que o poder ou a cultura relativiza a ação criminosa, estamos na contramão dos Direitos Humanos, e isso implica numa contradição.
        Os Direitos Humanos são universais, pois, partem do direito natural, ou seja, direitos esses concebidos por sua natureza de ser humano. O relativismo cultural não inviabiliza os direitos humanos que dentro de cada cultura se impõe respeitando as diferenças culturais. Assim, os direitos são universais na medida em que respeita o diferente e se molda ao contexto histórico na busca da verdade que dignifica o homem.
        Todo homem tem direito à vida e a liberdade independente de sua cultura, credo ou raça, então que direito é esse que não dá condições de se viver minimamente com dignidade? Por certo, na França de “Os Miseráveis”, os homens não viviam em igualdade, apesar de o conceito fazer parte do lema da Revolução Francesa e ter estabelecido a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789. Os indivíduos lutavam pelos seus direitos, mas viviam sob o conceito da ética moderna, a ética da razão, onde o dever era o que os tornava seres com moral, pois o homem não faz o bem por si mesmo, sendo necessário obedecer às leis. Assim, o homem tem que ser vigiado e subjugado em sua liberdade, justificando os regimes ditatoriais, as autocracias, mesmo que seus direitos universais sejam massacrados.
        No período histórico que é pano de fundo do livro de Vitor Hugo, o homem ainda vivia sob esse paradigma da ética racionalista que se fundamentava na ideologia cristã. Restava-lhe a aceitação de sua insignificância.  Com a evolução da mentalidade para outra dimensão histórica e cultural, a ética passa a ser uma co-responsabilidade, que seria a passagem do súdito para o cidadão (Ribeiro, 2003), ou seja, o súdito está sob o dito de alguém, enquanto que o cidadão é um sujeito ativo dentro de uma república. Há um clamor pela ética que modifica o modo de pensar uma sociedade. Um exemplo disso, como diz Ribeiro, “na sociedade brasileira isso corresponde a um fato social importante, a saber: não existe mais sustentação que legitime a desigualdade, a injustiça, a miséria entre nós”. Por certo é necessário o clamor pela ética, é necessário o clamor pelos direitos humanos e é necessário que retiremos os grilhões que nos prendem e nos amordaçam, mesmo hoje que nos parecem tão óbvios esses direitos humanos. Esse clamor insiste em continuar o árduo caminho do cidadão que faz parte desse imenso baluarte de lógicas que definem quem é excluído e quem fica dentro.
        A Psicologia nesse momento de transição de paradigmas deve definir o seu caminho. Por onde percorrer? Ficamos sentados em nossas poltronas do subjetivismo individual, ou juntos com a mudança entendemos o indivíduo como sujeito plural, que nasce e é inserido na desigualdade, ou seja, é um sujeito histórico e cultural, refletindo sua época e o ambiente em que está envolvido. Não podemos repetir os mesmos erros do cientificismo, do positivismo, que coloca a saúde mental como algo que se mede e que exclui. Temos que negar a lógica médica de que a saúde é ausência de doença, e entender que o indivíduo tem que ter uma saúde sustentada em todas as dimensões, social, cultural e econômica.  Temos que pensar a prática psicológica no contexto atual, com um olhar político, pois somos também responsáveis pelo que produzimos. Devemos nos preocupar com a subjetividade do indivíduo não apenas dentro de nossos consultórios, mas nas relações sociais e na produção dessas relações. As relações sociais determinam a consciência social dos indivíduos, e o ser social determina sua consciência individual. Somos seres políticos por natureza, por questão de sobrevivência dos grupos precisamos nos mobilizar enquanto cidadãos e profissionais que seremos.
        A Psicologia tem expressado e questionado de modo positivo esses novos caminhos do saber psicológico, propondo novas e diferentes formas de pensar suas práticas. Nas Diretrizes para atuação e formação dos psicólogos do sistema prisional brasileiro  percebemos como a Psicologia tem contribuído com distintos olhares para o sistema prisional. A Psicologia propõe sairmos desse modelo que aprisiona e aparta para modelos diferentes que pautem pela prevenção, educação, justiça e responsabilização dos sujeitos e da sociedade, através de uma prática humanitária e de transformação das prisões. Também percebemos esse posicionamento ao apoiar o movimento Tortura nunca mais”, propondo um ponto de vista contrário à posição das ações políticas praticadas durante o regime ditatorial.
        Entendemos que nas últimas décadas a Psicologia tem se preocupado com esse tema em função das transformações sociais que chamam os psicólogos a pensar suas práticas em diferentes contextos, lutando sempre pela ética e pelos direitos humanos dos loucos, pobres, das minorias, enfim, dos excluídos.
          
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5º  Período de Psicologia- Diurno -UNITRI
Nomes dos alunos : Castinaldo de Oliveira Rocha
                                 Dorcas Maria Segala Nascimento
                                 Gabriela de Aquino Melo
                                 João Bosco Nascimento
                                 Maria Aparecida Dias de Aquino
                                 Talita Paula dos Santos

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